“Figurar é lembrar é transformar” – António Melo | Manuel Gantes | Mimi Tavares | Pedro Pascoinho | Tiago Baptista

“Figurar é lembrar é transformar” – António Melo | Manuel Gantes | Mimi Tavares | Pedro Pascoinho | Tiago Baptista

Convite Figurar é lembrar é transformar

Maio / Junho 2017

 

Figurar é Lembrar é Transformar

                       “Os moços de juízo honram-se em parecer velhos, mas os velhos sem juízo procuram figurar como moços”
– Mariano José Pereira da Fonseca (Rio de Janeiro, 1773-1848), Marquês de Maricá, doutor em Filosofia e Matemática pela Universidade de Coimbra, escritor, filósofo e político.

 

(O Real Irreal) – Fixar é falhar ou é tornar irreal o que existiu antes de ser figurado pela pintura. A imagem, por mais realista que seja, fotografia que seja, é apenas o pretexto que permite esquecer a realidade, despertar modelos de conversão entre o sensível no mundo da aparência e o disponível para especulação, imaginação e pensamento algures dentro do sistema/corpo do artista/humano. Será sempre uma imagem, independentemente dos órgãos sensoriais que a percepcionaram; sempre um real transposto para o nosso mundo interno e depois novamente transposto para ser feito aparecer em pintura.

Alguns (ou todos) dos desenhos ou pinturas são como anotações, uma armadilha de vestígios onde algum ficou preso e se debate com força suficiente para darmos por ele, para gerar imagem mental, imaginação, quase mesmo fala (o ponto mais alto do pensamento organizado), onde a ânsia do artista é dar conta do que quer que seja que possa ser ou possa ter ocorrido, sem interesse na verdade ou no conhecimento, apenas na procura de sentido. Sentido – por exemplo – da criação e existência de um Mundo de que o Homem se torna detentor da Natureza/paisagem (eufemisticamente designando-se antropocêntrico), do espaço construído para habitar ou simbolizar, como Ser natural, mas onde a sua hegemonia raro hesita em provocar o máximo abandono, degradação e destruição do habitat dos seus próprios semelhantes, sendo difícil reconhecer o sentido do humano no Homem e sendo simultaneamente difícil ao homem reconhecer-se como Alien, como Inumano que, amiúde, não revela as características que o levaram a considerar-se um Ser superior nem mesmo, por oposição, um ser elementar pela observância simples do instinto de sobrevivência e de espécie. É assim, de artista e de necessidade humana encontrar sentido na ruína, interroga-la, estar atento aos vestígios.

O uso de umas poucas letras ou notas musicais escreve todos os livros ou compõe todas as músicas do mundo, o que torna evidente que é na sua organização que se criam todas as dissociações morfológicas ou semânticas e a identidade de um escritor ou compositor. O mesmo para esta exposição onde todos os cinco artistas recorrem a um léxico análogo de signos para marcar a sua individualidade. Também se apresentam pinturas feitas em vários instantes desde 2009 a 2017. Somos de opinião que as artes visuais (e o “novo” em geral) não saem de uma boutique de pão quente! – Repare-se que a estas não se chama “padaria” e delas sai apenas um consumível sem a aura sagrada do pão de outrora e, por isso, no dia seguinte o vemos sem utilidade, despejado no lixo sem pudor.

A exposição, toda de pintura e desenho, tende a constituir-se numa encenação de contiguidade, de contaminação e alargamento logo desde a escolha eletiva de artistas e obras diversas, com um léxico visual exclusivamente figurativo, com um certo anacronismo assente numa virtuosa prática de pintura e numa selecção de imagens e processos que induzem à melancolia e estranheza, pelo recurso à figuração de acções banais ou ininteligíveis, suspensas no tempo ou mesmo acontecendo fora do campo da imagem, ou com recurso a alusões de espacialidades condensadas com imagens reconhecíveis oriundas do passado (que induzem peso nostálgico), ou onde passeiam personagens em viagem numa vibração interna diferente do espectador.
Mesmo optando por uma apresentação organizada (vulgo, curadoria) com uma determinada montagem que deixa todas as obras acessíveis em constelações, não é de esperar do visitante mais do que uma apreciação estroboscópica, onde alguns objectos surgirão iluminados e outros permanecerão na obscuridade fenomenológica que os tornará invisíveis à sua faculdade de julgar, de se transformar em espectador que segue integralmente o desenrolar do espectáculo encenado. Essa será mais uma instância de “Figurar é Lembrar é Transformar” – agora activada pelo espectador – quer no objecto individual quer nas relações entre objectos. Lidar com o excesso, o ruído, faz parte do treino necessário para a decisão, para a esperança.

A encenação guia-se pela percepção intuitiva de semelhanças entre coisas diferentes; semelhanças que podem ser de forma(s) mas são sobretudo de relações não apreendidas anteriormente e que constituem mais um elemento/palavra que pode nomear para acrescentar (uma preciosidade, pois) a nossa apropriação do mundo, no qual, tenhamos a idade que tivermos, somos neófitos perante uma imensidão de desconhecido.

Essa intuição, extraída do mundo captado com os sentidos (primeiro do encenador/curador e depois do visitante/espectador) auxilia o pensamento abstracto que estabelece as relações entre a realidade dos conceitos e as imagens que potenciam o discurso. Esse anseio de falar, de proclamar em acto de aproximação essa relação, essa demanda de sentido, não está preocupado se a proclamação é verdadeira ou falsa, se lembra ou diverge.

Nesta encenação/exposição, no início há a criação, o espanto; o recém-chegado observa, contempla, aprende, decide-se, viaja, precipita-se, interage, tenta reconhecer-se, estrutura-se, simula-se, arma-se, busca domínio; incansável sob a desorientação, a solidão, é autor e vítima de abandono, de conflito, de destruição e dor. Depois, quando nada resta, há o tempo da vergonha, a consciência de si, a memória, o interior dilacerado que se reestrutura, equilibra-se, recria-se, nasce novo espanto…ainda há esperança depois de tudo. Assim, esta exposição também figura sobre o espaço e o tempo, nomeadamente os extintos e os que não foram ainda.

 

Artistas da exposição:

António Melo – Nasceu em Arganil, em 1964. Concluiu o Curso de Artes Plásticas/Pintura da ESBAP/ FBAUP, em 1987. Foi professor de pintura e desenho na Escola Universitária das Artes de Coimbra, até Setembro de 2014. Actualmente, reside em Coimbra, e trabalha como artista plástico. Mestrado e doutorado em História da Arte, na Universidade Lusíada de Lisboa. Expõe regularmente desde 1984 e intervém com diversas performances desde 1983. Está representado em colecções particulares em Madrid, Paris e Los Angeles, na Fundação PLMJ, Fundação Ilídio Pinho e Colecção Norlinda e José Lima.

Manuel Gantes – Professor de Desenho na FBAUL. Foi bolseiro pontual da FLAD, Fundação Oriente, FCG, SEC e Ministério da Cultura Holandês. Realizou  Pós-graduação em História da Arte em 1998 na UNL, Mestrado em pintura na FBAUL em 2003, bem como Doutoramento em Desenho, também na FBAUL, em 2013.Tem desenvolvido intensa actividade artística, sobretudo no do mínio da pintura e do desenho. Teve já exposições em instituições públicas e galerias privadas em Portugal, Espanha, França, Luxemburgo, Brasil, Croácia, Arábia Saudita, Bulgária e Holanda. A sua obra encontra-se representada em colecções públicas e privadas, nacionais e internacionais. Vive e trabalha em Lisboa. A sua próxima exposição individual confirmada será no Museu Militar de Lisboa  em 2018, integrada no projecto “Evocação da Primeira Guerra” com curadoria de Ilídio Salteiro.

Mimi Tavares – Nasceu em 1962. Vive e trabalha em Lisboa. Curso de Ilustração da Fundação Calouste Gulbenkian,com a pintora Maria Keil,em 1982. Licenciada em Pintura pela FBAUL em 1988.
Lecciona Pintura na  Escola de Artes Visuais Arte Ilimitada desde 2003. Expõe regularmente em exposições individuais e colectivas desde 1983 em Portugal, Espanha e Luxemburgo. Está representada nas colecções da Caixa Geral de Depósitos e Fundação António Prates.

Pedro Pascoinho – Nasceu em Figueira da Foz a 1972, onde vive e trabalha. Musico e autodidacta expõe individual e colectivamente desde 1992. Participou na Capital Europeia da Cultura, Coimbra 2003 e na 38 Feira de Arte Internacional de Colónia 2004 (Alemanha). Actualmente é representado pela Galeria Sete (Coimbra) e pela Rooster Gallery (New York). O seu trabalho está representado na embaixada portuguesa em Washington, D.C (EUA) e em diversas colecções particulares em Portugal, Espanha, Dinamarca, Estados Unidos, França e Holanda.

Tiago Baptista – Nasceu em Leiria em 1986. Vive e trabalha em Lisboa. Licenciado em Artes Plásticas, Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha, 2004-2007. Expõe regularmente individual e colectivamente desde 2007, em Portugal, Espanha e Alemanha. Mantém também a sua actividade de edição em fanzines onde publica ilustração e banda desenhada da sua autoria e de outros autores. Membro da Associação a9)))) sediada em Leiria onde exerce várias funções, desde a realização de cartazes ao transporte de amplificadores. Participou em algumas residenciais artísticas, como: – Culturia, Berlim, 2013; – ACTUAL Associação Zé dos Bois, Lisboa, 2010; – Atelier-Museu António Duarte, Caldas da Rainha, 2008/2009; – Associação Zé dos Bois, Lisboa, 2008/2009.
Prémios: 2015 Prémio Aquisição Amadeo de Souza-Cardoso; 2013 Finalista Prémio Novos Artista Fundação EDP; 2009 Prémio Fidelidade Mundial Jovens Pintores 2009.
Está representado nas seguintes colecções públicas: Fundação EDP; Museu de Arte Contemporânea de Elvas – Col. António Cachola; Figueiredo Ribeiro; Norlinda e José Lima; PLMJ; Galeria Zé Dos Bois; Herdade do Rocim; Coleccion AR2A, La Coruna (Espanha); Coleccion Navacerrada, Madrid (Espanha) assim como está representado em Colecções privadas em Portugal, Espanha, França, Austria, Alemanha, Reino Unido, Brasil, Austrália, Noruega.

 

Veja o catálogo da exposição:

 

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